sábado, 9 de fevereiro de 2013

Entrevista a Cosme Damião I

3 de Março de 1945. O recém fundado jornal "A Bola" (Janeiro desse mesmo ano), publica uma das suas mais importantes edições de sempre. Porquê? Porque nela consta um artigo acerca do Sport Lisboa e Benfica, por ocasião do seu recente 41º aniversário, que inclui nem mais nem menos do que uma generosa entrevista com o fundador, o Pai do Glorioso, o SR. COSME DAMIÃO, já numa fase da vida em que o físico o deixava ficar mal mas o intelecto se mantinha intacto.
Tomei conhecimento desta entrevista através de um referência e citações no livro "História do Futebol em Lisboa" de Marina Tavares Dias.
Ora acontece que o referido jornal nos facultou uma cópia desse artigo cuja autoria é de Mário Oliveira. Desde já o nosso eterno obrigado. É um verdadeiro pedaço de história! 
Foi com emoção que li e reli a entrevista do Sr. Cosme Damião e é com um profundo orgulho que a transcrevemos aqui para o blog, para que, tal como nós, num verdadeiro acto de Serviço Público Benfiquista, todos possam ser transportados para a primeira metade do século XX e consigam dar vida à figura mítica e lendária do nosso fundador.

Porque o artigo/entrevista é extenso e porque queremos que fiquem com vontade de ler o restante, vamos dividi-lo ao longo de 5 posts, um por dia. 
Abaixo, a imagem documenta a página do jornal de onde é retirada a transcrição para este post, que irá ajudar a compreender o enquadramento dos textos.


O SPORT LISBOA E BENFICA COMPLETOU 
41 ANOS DE EXISTÊNCIA 

UM CLUBE 


"O Benfica - é o Benfica. Hoje e sempre! O mais potente, a mais sólida, a mais resistente organização desportiva nacional. E não são os seus feitos brilhantíssimos, ou a sua vasta acção social e desportiva, ou a sua extensa massa associativa, ou os seus atletas, ou os seus campeões, ou as suas taças, ou os seus haveres que contribuem para fazer dele o primeiro dos nossos clubes. Não. Acima de tudo, e como soma, consequência ou determinante de tudo isso ele impõe-se, vale e projecta-se no mundo desportivo português como o mais denso e sólido agregado social, insensível à defecção, refractário à intromissão, insubmisso à vicissitude  de modo a engrandecer-se cada vez mais através dos seus 41 anos de existência, e que ora se comemoram. O que há, na verdade, demais notável e impressionante, de permanente e eterno, de inconfundível e insuperável no Benfica é o espírito de clube que empresta à colectividade, aos seus sócios, às suas manifestações aspectos gritantes do labutar duma família totalmente iluminada ou deslumbrada por verdadeiro espírito de sacrifício e de amor clubista.
A unidade e integridade da massa do Benfica, é a sua maior força e dá ao clube relevo especial, que se projecta nos feitos desportivos como nas realizações clubistas: Na vitória e na derrota, na alegria e na tristeza, na luta e na paz desportivas.
O espírito do clube é afinal a alma do Benfica, rubra, vibrante e altiva, cem por cento SLB - um por todos e todos por um!
É a passagem do 41º aniversário da fundação do Sport Lisboa - Primeira fase do Benfica - É esse "espírito", essa "alma" que dinamiza e imortaliza toda a sua acção social e desportiva que a "bola" saúda e deseja, se possível, ver ainda mais alta, mais forte, e cada vez mais útil ao clube - e ao desporto nacional.



COSME DAMIÃO a maior figura do clube conta aos leitores de "A Bola" alguns episódios da história do Benfica



A missão do jornalista é por vezes ingrata. Quando na Quinta-feira à noite, nos falaram em entrevistar Cosme Damião, para o nosso jornal, pensámos fugir ao encargo. Cosme Damião é ainda uma das figuras mais representativas do Benfica, do Sport Lisboa e Benfica, no seu passado. Ninguém melhor do que ele conhece a história do clube, desde os primeiros treinos, em Belém. Mas sabíamo-lo doente, em casa, há tempo.
Esta entrevista não tem por isso o ambiente buliçoso de um café, nem o ambiente grave ou garrido de um gabinete de trabalho. Tem o recolhimento de um quarto de doente, onde há aliás a nota agradável do gosto artístico do mobiliário em estilo antigo. O Cosme que levávamos na memória, o Cosme dos campos de futebol, o Cosme calmo que fez com entusiasmo o Benfica passar à categoria de grande clube, o Cosme empreendedor da obra grandiosa que foi o Estádio das Amoreiras, não é o mesmo que encontrámos no leito doente. Conserva no entanto, a mesma distinção de maneiras. Mantém, integro, o entusiasmo pelas coisas de desporto. O Benfica vive, ainda, na sua sensibilidade. Não diminuiu a sua afeição pelos companheiros do clube e do desporto. E a sua memória surpreende. É prodigiosa. A história do Benfica é ele mesmo. Consultá-lo, é como que consultar um repositório de datas e de factos.
Acolhe-nos com a amizade de largos anos de trabalho em conjunto, num antigo jornal desportivo – no «Sport de Lisboa». E é com gentileza que escuta atentamente o fim que nos levou a sua casa, esclarecer dois pontos nebulosos na história do Sport Lisboa e Benfica, em comemoração de um novo aniversário: a condição em que se fundou o clube, e o motivo certo da saída de jogadores, para o Sporting em 1907.

Como surgiu a ideia de um clube

Cosme Damião não altera o ritmo da conversa para dar uma resposta concreta:
- «Espera um momento. Deixa recordar os factos. Não apontes nada, por enquanto. E tu depois extrais da narração o que for necessário para dar sequência ao pensamento.
«Certamente com a intenção de nos deixar mais à vontade, acrescenta:
Não é preciso recordar muito. A memória funciona bem felizmente. Estou a falar contigo e parece que estou vendo as pessoas, os campos, os pontos de reunião. Parece-me que estou vendo tudo. Ora nota».
E vem a primeira síntese:
- «A ideia de formar o Sport Lisboa não resultou do propósito de constituir um clube em determinadas condições. No nosso bairro, na escola, na corporação a que se pertencia, surgia, de quando em quando, a ideia de um clube. Se fizéssemos um clube nestes moldes? – era pergunta que não se tomaria como impertinente, numa altura em que ainda não havia grandes clubes. Mas não se sucedeu isso com o Sport Lisboa, foi o contrário. Constituído um «team» para jogar com outro mais forte, o bom resultado de um desafio, fazendo reunir numa pequena festa de alegria os jogadores vitoriosos, levou-os a pensar em dar consistência ao «team», transformando-o em clube. Veio primeiro a ideia do jogo, pelo prazer de jogar. A ideia do clube seguiu-se ao prazer do triunfo. Houve desde logo a certeza de que pela união nos podíamos tornar mais fortes. Neste sentimento inicial se pedia a escolha da divisa do novo clube – um por todos, todos por um»
Feita esta legenda, que pode ficar para a história do clube, interpôs-se uma pausa, para ordenação dos factos. O Cosme, com a serenidade habitual, procura, depois, justificar a afirmação. E vem tudo, com lógica e sem pressas
- «Deixa lá ver…
E ele foi vendo à medida que revia.
- «Chegámos a este «team» ou grupo em condições curiosas e por vias diferentes.

(continua...)



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